Muita tontura, coreografia atrapalhada e nenhum resultado. Depois de muito rodopiarem e tropeçarem em torno de seus umbigos comerciais, os países não conseguiram avançar um centímetro nas negociações da OMC - Organização Mundial do Comércio, que tiveram lugar indigesto na frustrante Rodada de Doha, em Genebra, na Suíça. Nada mal, pelo menos, para quem se deslocou até lá com pretensões folgadamente turísticas, pois esse festival de conversas fiadas e celeumas desfiadas gastou quase dez dias.
Eis o resumo da ópera que no último ato suspendeu a música, afugentou a platéia e estragou a festa: "As principais potências comerciais (Brasil, Austrália, China, Estados Unidos, Índia, Japão e a União Européia) não chegaram a um acordo, após nove dias de intensas, mas infrutíferas negociações, sobre como e quanto abrir seus mercados agrícolas e industriais, e em quanto os países ricos deviam reduzir seus subsídios". Assim estampava o noticiário vespertino do dia 29 de julho de 2008, extraído eletronicamente do Ig.
Detalhe: 153 países-membros bailavam sem jogo de cintura nesta anunciada gincana, cuja primeira pizza, ainda pouco rançosa, começou a ser servida há sete anos, sob os giros estonteantes de paragens diversas. Mais um cúmulo a ser contabilizado na olimpíada dos desperdícios diplomáticos. Lamúrias e desculpas de um lado, imprecações e mau-humores de outro, alguns comentários, como tudo na vida, acabam ganhando colorido especial, a ponto de merecer até bis.
Nosso Ministro das Relações Exteriores, por exemplo, recorreu a metáforas marcianas: "É muito lamentável o que aconteceu, alguém de outro planeta não acreditava que, após todo o progresso realizado, não tenhamos sido capazes de concluir". Na próxima rodada, que tal chamar negociadores do além? Duvido até que outras galáxias sejam mais injustas, dominadoras e desunidas do que a nossa caótica atmosfera.
Na tentativa de diagnosticar o vexame, não faltam expressões técnicas para maquiar a febril competitividade humana, como algum repórter com ares de engenheiro tentou sintetizar, ao se referir às salvaguardas pleiteadas e não atendidas para imunizar setores agrícolas de países em desenvolvimento contra surtos agressivamente liberalizantes (leia-se também - impiedosamente neoliberais): "A divergência sobre qual deve ser o valor para ativar o mecanismo travou todo o processo".
Ao ouvir tais colocações, ficamos até tentados a usar uma chave de fenda para desparafusar os pinos apertados e um tanto enferrujados da consciência planetária, enquanto na linguagem do mundo real toneladas de barrigas (nordestinas, africanas, dentre outras texturas e grunhidos) são abatidas por falta de subsídios calóricos, indiretamente sugados e amargamente dosados pelo catecismo protecionista e desafinado que os países lá de cima e seus profetas bushianos (e congêneres) insistem em rezar e nos empurrar tratado abaixo.
Mas para aliviar os ingredientes desta crônica e passarmos para um cardápio mais leve, faço luzir aqui uma última pérola, ostentada em tupiniquim pelo Presidente do Conselho Nacional de Café, ao proferir sua exótica versão sobre o fracasso coletivo de Doha: "Não tem impacto para o setor de café. O café é um produto essencialmente financeiro, depende muito de bolsa, é um negócio completamente diferente". Quanta profundidade embriagante! Será que tudo que tomamos agora tem o sabor do dinheiro e o formato de bolsa?
Acho que faltou colocar açúcar nessa declaração e sobretudo mexer melhor as palavras, que junto com um pãozinho saído do forno tornaria tudo uma delícia. Huumm!!! Mas peraí... não devemos ir muito longe, pois essas coisas geralmente envolvem subsídios internacionais, sem falar que o paladar brasileiro anda meio ressabiado devido aos temores inflacionários. Melhor esperar uma nova rodada para ver se os delegados das nações (com e sem fome) possam trazer frutos econômicos sadios para o mundo.
terça-feira, 29 de julho de 2008
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2 comentários:
Estimado Pablo, gostei muito das reflexões que vc traz em seu artigo. Gostaria de também colocar para a nossa reflexão o por que mediato de não se conseguir "diplomaticamente" avanços para o mundo e principalmente para os oprimidos deste mundo. Será q a estrutura de "convivência" das soberanias estatais fundados nos valores da modernidade são os instrumentos que capazes e legitimos de fazerem essa mediação que tanto precisamos? Nós estamos vivendo em um comtexto socio-político que a meu ver está em disconformidade com a estrutura criada. A outra coisa é que até que ponto essa discussão tem aplicabilidade prática para encher as barrigas famitas de nordestinos ou africanos. Será que esse esforço todo não é para privilegiar o agronegócio exportador do Mundo?
Acho, ainda, que devemos resignificar a nossa práxis militante no sentido de desconstruir o paradigma do desenvolvimento posto.
Enfim, apenas algumas inquietações. Um forte abraço!
Oi, caro Eric
É muito bom acolher suas boas e atentas reflexões em meu blog.
Concorno no geral com suas ponderações. Na prática, os fundamentos dessas negociações pouco alcançam os oprimidos, mas acho que os mais pobres, ainda que tangencialmente, poderiam ter mais oportunidades de emprego (e de sobrevivência) a partir de acordos comerciais mais favoráveis para os mercados dos países menos desenvolvidos.
Sobre a questão do "desenvolmento", penso que precisamos realmente requalificar e se preciso inverter esta lógica, subordinando por exemplo o técnico-econômico ao sócio-ambiental.
Valeu pelos comentários e grande abraço!
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