sexta-feira, 11 de julho de 2008

CRÔNICA: Instantes de Liberdade


O cachorro de minha família, um poodle branco e peludo que late pelo nome de Toy, costuma ser levado para tomar banho todas as quartas-feiras. Vez por outra me encarregam dessa tarefa, que seria uma atividade tão ordinária e despercebida como escovar os dentes se não fossem os mágicos instantes de liberdade desfrutados pelo animal.

Esse momento se desdobra quando eu solto sua coleira após fechar a porta de meu apartamento para seguirmos juntos rumo a clínica veterinária. É impressionante testemunhar a embriaguez canina que exala do cachorro enquanto desce triunfantemente as escadas, livre da resistência de qualquer rédea que possa frear e frustrar seus movimentos.

Excitado por uma euforia incontrolável, Toy desce de maneira tão rápida e impetuosa os lances da escada que as patas parecem deixar de tocar o chão. É como se ele ganhasse asas para voar em direção ao osso mais esperado e suculento de seus sonhos. Ainda vou filmar tal cena para perenizar e celebrar a memória desta inexplicável emoção canina.

Um veterinário com coração humanista, sensível à fisiologia e também psicologia do cachorro, logo se apressaria em declarar o diagnóstico: “isso é estresse acumulado porque o bichinho não desce”. Mesmo que o Toy saia pouco para passear, tenho para mim que esse gesto é nada mais que o instinto de liberdade reprimido por todo animal doméstico.

Uma analogia clássica e até óbvia me vem automaticamente à tona. Não seria esta a mesma sensação de catarse experimentada por um passarinho quando escapa da gaiola para mergulhar no horizonte do céu? Ou de um peixinho quando se despede do aquário onde estivera exilado para retornar ao leito abundante do rio, pátria natural da espécie?

Cachorro, pássaro, peixe e tantos outros animais que a sociedade se habituou a criar em suas residências, seja para alegrar as crianças ou mesmo fazer companhia aos adultos, por maiores que sejam os cuidados prestados, acabam por sacrificar a liberdade maior destas espécies, tornando-as escravas dos caprichos, carências e peripécias humanas.

Queridos Toys de tantos lares, isolados de seus pares e trancafiados em tantos lugares, benditos sejam estes espetaculares e sagrados instantes de liberdade, que te dão a fugaz impressão de viver teus próprios destinos - sem donos, limites e convenções! Corram para longe, subam ao topo do céu, adentrem as profundezas da água!! Finjam ser livres!!!

E nós, seres humanos, quando é que o nosso andar parece flutuar? Quando é que nossos passos cruzam a dimensão da liberdade? Quantas coleiras, esporas e chicotes nos impedem de estufar o peito e proclamar aos quatro ventos: viva! sou livre!! o mundo é meu!!! Só assim podemos agir como somos, dizer o que pensamos e fazer o que sonhamos...

Essa é uma crônica bumerangue: a mensagem dirigida ao contexto do cachorro, em outros termos, volta sem pudor ao âmbito de nossa própria realidade, fazendo-nos indagar quais são os instantes reais de liberdade do ser humano. Uma vez por hora, dia, semana, mês ou ano? A pergunta é reflexiva e a resposta é subjetiva. No entanto, para quem vive na miséria e desistiu de ser livre, essa pergunta já não admite resposta. Fim da crônica subversiva.

2 comentários:

Anônimo disse...

"late pelo nome de Toy" adorei isso! hahahahaha

Crônica pra ser pensada heim? ótimo texto!


http://suellenpereira.blogspot.com/

Ricardo Thadeu (Gago) disse...

hueheuheuheuehuhe
Ótimo mesmo.




http://ricardothadeu.blogspot.com/