domingo, 13 de janeiro de 2008

CONTO: Lágrimas Revolucionárias


Dormiu. Rapidamente acordou. Tentou novamente dormir, mas naquela noite sua vocação era mesmo a de ficar acordado. Um silêncio absolutamente completo era a sua mais fiel companhia. A madrugada avançava e ele se mantinha cada vez mais disposto, ao passo que as estrelas sequer tiveram coragem de desfilar no céu. Não seria exagero afirmar que a alma daquele jovem de 22 anos, em tão luminoso e arrebatador momento, parecia exibir um brilho raro, singularmente profético e revolucionário.

Foi precisamente na metamorfose das poucas horas que intercalavam a passagem da véspera para o amanhã, que este rapaz conseguiu reunir uma abençoada dose de energia para refletir profundamente sobre as realidades e ficções do mundo. Um mundo que, a propósito, por tantas e reiteradas vezes, dava a impressão de que não se mexia rumo a novas possibilidades, cochilando feito criança recém-nascida que pensa ainda habitar preguiçosamente o nicho confortável e imperturbável da mãe.

As meditações do jovem, definitivamente, não eram isoladas. Alguma coisa fora do comum estava acontecendo também com as moças e outros rapazes. O mundo está errado e isso, sem constrangimento, não era nenhuma novidade para a geração de todas as juventudes em atividade em todos os mundos habitados, desde que abrigassem os traços cíclicos da vida e da morte em suas misteriosas entranhas materiais e espirituais. Essa constatação de respirarmos uma atmosfera doentia, em suas múltiplas e exponenciais anomalias, ganhava uma nitidez impressionante, globalizada e incontrolável.

Antes da juventude, o mundo pode parecer certo, porque nossa ingenuidade costuma enxergar apenas as coisas boas e positivas – destituídas de vícios, falhas e demais sujeiras. Por outro lado, depois da juventude, tudo aquilo que há de absurdo, contraditório e poluído no planeta já não é capaz de provocar suficiente indignação em nossa consciência, como se as injustiças e tragédias voluntárias da existência fossem um mal necessário, irreversível e friamente banalizado.

Desdobrava-se seguramente um fenômeno que rompia os limites explicáveis de qualquer ciência, arte ou filosofia. À medida que este aparente milagre explodia seus átomos sobrenaturais, todo tipo de problema existente na Terra e que dependesse exclusivamente da ação humana, especialmente juvenil, transformava-se – literalmente por obra de algum encanto – em sua devida solução. Cada dificuldade contornável que atormentava as pessoas e suas instituições era substituída por propostas coerentes, legítimas, consistentes, viáveis e bem dizer sagradas.

Como pacificar a violência? Como amar a educação? Como unir os diferentes? Como salvar os incuráveis? Como libertar as virtudes? Enfim, uma multidão de sucessivos e simultâneos impulsos assumia um poder nunca antes visto, sentido e aplicado por aqueles jovens. Se este acontecimento fosse ilustrado numa aula de gramática, alguns padrões haveriam de destoar: o sujeito teria voz ativa, radicalmente ativa; e o verbo seria conjugado no plural, integralmente no plural. Os jovens estavam em ebulição.

Torna-se desnecessário observar que o jovem relatado no início não era o único protagonista. Em cada canto, em todos os lugares, sem exceção, renascendo dos escombros de uma alienante letargia, a juventude irradiava uma sabedoria triunfante, elevada a um patamar historicamente indescritível. A revolução não era russa, nem francesa; nem proletária, nem burguesa. Era um fenômeno sem pátria definida, sem ideologia classista e sem enredo dividido. Lampejos de harmonia cintilavam no caldeirão daquele caos.

Orquestrada pelos fios militantes da utopia, uma voz gigante e inconfundível pulsava em todas as direções, linguagens e lares (com ou sem teto, pois havia jovens que dormiam na rua). Seu discurso, sua mensagem, seu destino era claro, urgente e unânime: mudar o mundo. Que bom que as estrelas não resplandeceram naquela noite, uma vez que a presença delas teriam sido dispensáveis frente a constelação que refulgia entre aqueles jovens, entrelaçados por uma força sutil, febril e onisciente – algo sem paralelo.

Mas como foi possível chegar a tal conclusão – sem assembléias, conferências, delegados, teses e votações? Na falta de espaços democráticos que congregassem internacionalmente todas as representações de jovens e manifestassem construtivamente as suas opiniões, outros instrumentos tiveram que ser acionados naquela noite, cuja plenitude trouxe mais luz à vida concreta, diária e transformadora daqueles jovens do que o somatório de todos os raios emanados pelos dias anteriores de suas trajetórias.

As lágrimas arrancadas do espírito indignado de cada jovem, nessa mítica madrugada, foram, mais que tudo, o único ponto de encontro, de comunicação, de intercâmbio, de articulação e de transcendência entre eles. Suas mentes, corações e sobretudo atitudes projetavam nos horizontes ampliados do céu o lema fundamental que de repente irmanou toda a juventude e preencheu seus passos de grandeza: mudar o mundo. Com apenas uma ressalva: o céu não era o limite, era só o começo desta missão.

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