MILITARIZANDO O DESSERVIÇO AO HAITI
Meu grito, nunca calado, hoje, embalado pelo novo ano e refeito de alguns hiatos pessoais, volta a esgoelar-se, mais sedento de paz e sobretudo mais cônscio de que, enquanto houver injustiças, vozes não poderão dormir, para denunciar o silêncio da omissão... seja ela real, virtual, mundial, local e - a propósito - haitiana.
Lula anunciou, no evento do Fórum Social Mundial ocorrido recentemente em Porto Alegre, que irá ao Haiti no final de fevereiro. Propôs inclusive um ano de solidariedade a este país. O mês de janeiro, enfim, derramou-se em choros de dor, lágrimas de luta, gestos de fraternidade, explosões de compaixão.
Para a mídia (convencional), o assunto Haiti praticamente saiu de pauta. Esta mídia parece ter cumprido seu objetivo ideológico: divulgar o caos para justificar medidas de ordem. E em matéria de botar ordem na casa - ou no mundo ocidental - o super Tio Sam foi convocado. No entanto, este império em declínio meteu os pés pelas mãos, pela enésima vez.
Imagine-se dentro de uma imensa casa, quando de repente um incêndio ameaça a vida de seus familiares e amigos mais caros. Você pede ajuda desesperada aos vizinhos, no entanto, em vez de trazerem prioritariamente uns 12 bombeiros, enviam-lhe de forma oportunista mais 12 litros de combustível. Os filhos e amigos dos amigos que sobreviveram jamais entenderam a loucura da "solução" indicada para o acidente.
Não vou lembrar o que todos já sabem. Nem é sadio ficar contabilizando sangue. Mas vou atentar para a reflexão de que, por trás do fatídico terremoto natural e involuntário que se abateu sobre o já historicamente abatido Haiti, um terremoto político e voluntário sacudiu - como tantas vezes o faz - o bom-senso do governo norte-americano.
Como o trecho abaixo noticia, o Tio Sam bateu a porta na cara (sinta-se coração) de seus sobrinhos enfermeiros. Em vez de curativos, as malas de primeiros-socorros enviadas ao pobre Haiti estavam pesadas de equipamentos bélicos, carregadas por 12.000 soldados ianques, que por lá tem chegado e "ocupado" novamente o país, à revelia oficial da ONU, da missão brasileira no Haiti e do senso humano de paz (e justiça).
E por que fazem isso? O último Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça (onde Lula recebeu, representado pelo Min. Celso Amorim, o prêmio - inédito nos 40 anos deste Fórum - de Estadista Global), foi marcado por um alerta revelador: a economia norte-americana registra recuperação estatística mas ainda padece de recessão humana. Ou seja, o desemprego por lá (na mansão do Tio Sam) continua feio, insolúvel. E as contas do novo orçamento deles bateram o déficit recorde de 1,5 trilhão de dólares (fico até tonto só em digitar esta cifra).
Vou arriscar um palpite. O seu também vale. Por que salvar um país como o Haiti em um mês se você pode salvá-lo a prestação, em doze meses, ou dozes anos, com doze vezes mil soldadinhos americanos ociosos para trabalhar e girar a engrenagem meio carcomida da economia (nada econômica) dos EUA. Eles globalizaram as empresas (civis ou não), espalhando pelo mundo multinacionais famintas e bases militares antipáticas. Enfraqueceram com suas doutrinas neoliberais o papel e a força dos Estados-Nação (os quais hoje tentam se ressuscitar no xadrez geopolítico da América Latina e dos outros tabuleiros do planeta), tudo em nome do lucro fácil, concentrado e sutil, sem leis, transparências e “burocracias”.
No entanto, quando surge uma nova oportunidade de faturarem (nos vários sentidos lícitos e ilícitos do termo, como é o caso daqueles espertinhos que estão traficando criancinhas órfãs), os EUA, acima do bem e do mal, contra tudo e todos, rasgam sem pudor a bíblia de Adam Smith que cultuam da boca para fora: burocratizam a ajuda humanitária, burocratizam a cooperação internacional, burocratizam a reconstrução emergencial do Haiti, e ainda ousam burocratizar nossa livre capacidade de se indignar – sejamos enfermeiros(as) ou não.
Grito Pacífico - "mudando o mundo com você"
Michael Moore: Vergonha dos democratas
Fonte brasileira: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/michael-moore-vergonha-dos-democratas/ - 02/02/2010
Michael Moore: "Os Democratas envergonham-me"
Fonte original: Democracy Now, via Esquerda.Net - 31/01/2010
Amy Goodman: Hoje entrevistamos Michael Moore, um dos realizadores de cinema independente mais famosos do mundo. Nestes últimos vinte anos, Moore tem sido um dos realizadores mais provocadores, bem sucedidos e politicamente activos. Podemos destacar da sua cinematografia, entre outros, títulos como "Roger and me" (Roger e Eu), "Fahrenheit 9/11", "Bowling for Columbine" - que lhe granjeou o prémio da Academia - e "Capitalism: A Love Story" (Capitalismo: Uma História de Amor), o seu filme mais recente.
(...) Tive a oportunidade de o entrevistar... Comecei com uma pergunta sobre a situação no Haiti.
Michael Moore: O mais espantoso acerca "da resposta norte-americana" - conforme disse - foi a reacção individual, de cada norte-americano. Mobilizaram-se no próprio dia do terramoto, doaram com mensagens de telemóvel para a Cruz Vermelha, ofereceram-se como voluntários, queriam ajudar. As campanhas de recolha de donativos começaram nesse mesmo instante.
Quando se deu o terramoto eu estava em Miami. Testemunhei este esforço. Sobretudo por parte da comunidade haitiana e de outras comunidades do Sul da Flórida. Houve até o caso de um médico de Fort Lauderdale, proprietário de um avião, que não esperou por autorizações oficiais. Chegou ao aeroporto, saltou para o cockpit, foi ao Haiti, trouxe todos os feridos que podia - cerca de quinze pessoas - e levou-os para o hospital de Fort Lauderdale. Eu pensei então, "Meu Deus, porque é que não assistimos a isto todos os dias?"
Mas a resposta do governo, digamos, foi desajeitada, soou mais uma vez a "Somos demasiado poderosos para falhar". Que é o mesmo que dizer, "Somos demasiado poderosos para sermos bem sucedidos". Pelo menos foi assim que deram a entender.
Mas também lhe digo: de imediato, e em poucas horas, Barack Obama tentou organizar uma resposta, o que contrasta, e muito, com o que assistimos durante os mandatos de Bush, como no caso do Katrina e de outras tragédias do género. De tal modo que me recordo de me ter sentido bastante satisfeito com esta reacção.
Mas depois, no segundo e no terceiro dia, quando se percebeu que não estava a chegar ao Haiti qualquer ajuda significativa e que nessa altura era mais importante resolver a situação dos norte-americanos que lá estavam, na Embaixada, no Hotel Montana, etc. etc... Com certeza, é natural ocuparmo-nos primeiro dos nossos compatriotas, mas eu esperava que estivéssemos ali para ajudar toda a gente e que ninguém fosse considerado mais humano do que o seu semelhante.
Amy Goodman: Não sabia de um grupo de enfermeiras que queria ir - ou seria mais do que um grupo?
Michael Moore: Meu Deus... O Sindicato Nacional dos Enfermeiros. Esse é o episódio mais triste de todos. Espero que quem me esteja a ouvir, e a ver, reaja e faça pressão sobre a administração Bush. O Sindicato Nacional dos Enfermeiros...
Amy Goodman: ...A administração Obama?
Michael Moore: Sim, a de Obama. O que é que eu disse? A...
Amy Goodman: Administração Bush.
Michael Moore: Certo, certo. Já estamos a pressioná-los. Já não estão entre nós. Mas isso não era só freudiano, este é o meu estado de espírito. Porque eu não aceito a agradável diferença entre as administrações Bush e Obama, é ilusória. À primeira vista, se compararmos a actualidade com o que aconteceu nos últimos oito anos, tudo nos parece fantástico, mas na essência, na prática... Não lhe consigo dizer o quanto estou desiludido.
E o que sucedeu com o Sindicato Nacional dos Enfermeiros revela o empenho deste corpo de profissionais. Quantos estavam dispostos a partir imediatamente para o Haiti? Quase doze mil enfermeiros, note bem, doze mil enfermeiros deste país estão dispostos a seguir para o Haiti. E um enfermeiro poderia cuidar de muitas pessoas. Imagine então quantas pessoas poderíamos ajudar se pudéssemos enviar doze mil enfermeiros devidamente equipados. E esta oferta já foi feita há muitos, muitos dias, está a perceber?
Amy Goodman: A quem?
Michael Moore: À administração Obama, pela dirigente do sindicato. Ela entrou em contacto com o governo e foi ignorada, de início ninguém lhe respondeu. Mas lá acabaram por encaminhá-la para alguém que não tinha qualquer poder de decisão. Então, depois de tudo isto, ela contactou-me e disse-me "Você saberá, porventura, como poderemos chegar até ao presidente Obama?"Eu respondi, "É patético o facto de vocês serem forçados a ligar-me, quer dizer, vocês são o maior sindicato de enfermeiros. Tanto quanto sei asseguram a vice-presidência da AFL-CIO [Federação Americana do Trabalho - Congresso de Organizações Industriais], e mesmo assim não conseguem que a Casa Branca vos autorize o envio de doze mil enfermeiros para o Haiti? Não sei o que fazer por vocês... Não sei, vou ligar também".
O que é certo é que até hoje pouco mais foi feito. É angustiante. E é só um exemplo do que se passa. Na última semana você fez a cobertura deste estado de coisas quando lá esteve - falharam redondamente.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
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