sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

HAITI: a pátria circunstancial dos EUA

"O compromisso com o Haiti não é novo nem circunstancial", disse recentemente o governo brasileiro em uma nota na qual informa que essa é a terceira vez que Lula viaja ao país, o qual já visitou em agosto de 2004 e em maio de 2008, o que "confirma a prioridade conferida ao Haiti pela política externa brasileira".

Fui um pouco “oportunista”, pois decidi começar esta crônica com um parágrafo ao qual eu nunca fui explicitamente chamado, retirado a propósito desta notícia ("Lula chega ao Haiti para expressar apoio e assinar acordos"), que acabei de ler no Portal Ig. Aproveitando meu momento “cafajeste”, cometerei um novo “pecado”, se bem que atenuado o suficiente para ser logo perdoado, pois a nova referência que evoco consiste em uma outra crônica minha sobre o mesmo assunto: "Militarizando o desserviço ao Haiti".

Façamos agora um exercício hipotético de turismo patriótico. Imagine-se acordando brasileiro, no transcorrer do dia se tornando norte-americano para depois dormir haitiano. É possível assumir nacionalidades diferentes como quem muda de roupa? Até as máscaras bonitinhas que camuflam nossas eventuais intenções mesquinhas precisam de um tempo mínimo para decantarem, se ajustarem e se acostumarem com os padrões dominantes de hipocrisia que se prestam a dissimular.

Vamos dar um zoom na frase primeira e central que motivou esse texto: “o compromisso com o Haiti não é novo vem circunstancial”. Em outras palavras, o Brasil não tem essa mania cinematográfica (hollyudiana mesma, literalmente falando, e belicamente também) de se arvorar na condição pop de superpaís, de superpotência aventureira que sai distribuindo bases militares mundo afora a pretexto, por exemplo, de proteger e vigiar os mares alheios contra monstros terroristas e ocasionalmente atômicos que ameacem perturbar as fronteiras “modernamente democráticas” dos países aliados; como Israel no Oriente Médio e Colômbia na América Latina.

Como todo super-herói tem poderes extraordinários e se acha imbuído de missões as mais diversas - ainda que novas e circunstanciais, frise-se bem -, os EUA nunca mais seriam os mesmos se não tivessem estendido seus tapetes altruístas e caridosos para o Haiti, duramente vitimado por um terremoto cujos impactos parecem ter sacudido espiritualmente o coração de toda a diplomacia norte-americana. (Vale acrescentar que essa triste sina do Haiti, como o escritor Eduardo Galeano relembrou, remonta às políticas sujas e invasivas que os mesmos EUA já aprontaram.)

Pois bem, a reação dos EUA foi olímpica, peremptória, esplendorosa, digna do Oscar do Oportunismo, sequer se lembrando de dialogar com a ONU e planejar melhor as coisas com a missão brasileira que já vinha liderando as operações por lá: instituíram um fundo Clinton-Bush (usando o nome indigesto do Bush) para arrecadar donativos, se apossaram do espaço aéreo para controlar do jeito deles a ajuda estrangeira e, o que foi efetivamente controverso, mandaram 12.000 soldados para “passear” no Haiti, como se o povo nativo fosse apático e não tivesse braços para acolher os feridos e pernas para avançar no enfrentamento de seus dramas, contando necessariamente com o suporte já estabelecido (e que passaria por emergencial ampliação) de vários organismos e serviços humanitários, incluindo relevantes ações cubanas de saúde.

Essa é a lição de ética (geralmente pelo avesso) que aprendemos com os EUA. Surge (ou fabrica-se) uma propagação de epidemia (como a gripe suína), suas indústrias de remédio são as primeiras a “ajudar” e lucrar. Quando sentem cheiro de petróleo no ar, rasgam soberanias de países frágeis para com novos negócios “cooperar” e lucrar. Quando algum presidente não lhes diz amém e ousam remar na maré oposta ao neo-liberalismo, dão uma aula-show de anti-jornalismo, visando “desinformar” e lucrar.

Portanto, em vez de terem mobilizado um “exército verde” de ambientalistas sérios e competentemente autorizados a evitar o fracasso da Conferência do Clima ocorrida ano passado em Copenhage, na Dinamarca; os EUA valeram-se da “sorte geopolítica” trazida pela fúria da natureza contra o Haiti, e, da noite para o dia, metamorfosearam-se (como se iluminados provisoriamente por um mandato divino imperial) em seus superanjos salvadores, carregando nessa travessia pseudocivilizatória as asas manchadas sabe-se lá com quantos interesses inconfessáveis, diabólicos.

1 comentários:

PABLO ROBLES disse...

Ventilo aqui um comentário recebido de Cris por e-mail:

"Obrigada Pablito, coincidimos no olhar e esperamos de verdade que a verdadeira ajuda, a que se orienta para a reconstrução da soberania e desenvolvimento independente do país finalmente apareça, com tanto país bem intencionado circulando por ai....

O povo haitiano tem o direito, como qualquer outro povo, de crescer, se desenvolver, aprender, errar e subsanar os erros, sem intervenção nem pseudo ajuda interesseira e cruel dos velhos oportunistas e dos aprendizes de."