sábado, 23 de fevereiro de 2008

CONTO: Brincadeira Infantil


Centro da cidade. Mês movimentado de dezembro. O comércio local estava em ebulição. Consumidores congestionavam quase todas as lojas à procura de presentes de Natal, utensílios domésticos, novas roupas e tantos outros produtos, especialmente quando identificados pela palavra mágica “promoções”.

Uma mãe e seus três filhos participavam efusivamente deste cenário. Migravam de loja em loja em busca de artigos que satisfizessem o apetite natalino e maternal de Estela, na companhia de duas garotas, Camila e Renata, de respectivamente 15 e 11 anos, já iniciadas nesse tipo de atividade; e de um menino, Marcelo, de apenas 7 anos, sem nenhuma experiência anterior em fazer compras com a família.

A cada passagem por um estabelecimento, a família saía com mais sacolas, tornando não somente o percurso mais árduo e cansativo, como também favorecendo a distração e a desatenção entre eles. Já estavam razoavelmente saciados com os bens adquiridos, mas não a ponto de julgarem por concluída sua missão, que se repetia anualmente com alguma variação, ditada sobretudo pelos recursos disponíveis para gastar.

Marcelo, a principal novidade da temporada, cumpria esse ritual com estranheza, ingenuidade e inexperiência. Quando suas pernas estavam prestes a adentrar a décima loja naquela frenética tarde, seus passos foram bruscamente interrompidos e desviados, enquanto sua mãe e suas irmãs penetravam apressadas no recinto comercial, sem perceber a ausência dele, que neste momento parecia estar sendo emprestado para outra família.

Uma família inegavelmente pobre, sinceramente miserável, chamou a atenção daquele garoto. Onde seria a casa desta família, que se estirava espontaneamente no chão e ali mesmo descarregava seus escassos pertences? Perguntava-se com estranheza Marcelo, que certamente não costumava ver os efeitos desumanos da desigualdade sócio-econômica a olho nu: uma mãe, um pai e seus dois filhos, abandonados e destituídos de quase tudo.

Uma das grandes vantagens das crianças consiste no fato de não serem infectadas pelo preconceito nem serem adestradas para o cumprimento das mil exigências formais do mundo adulto, 90% das quais, muitas vezes, não passam de caprichos de etiqueta: um manual carcomido por regras inúteis, modismos classistas e pudores burocráticos. Beneficiando-se da idade, Marcelo não hesitou muito em se introduzir junto àquela família.

Os dois meninos de rua, mendigos calouros, cujo futuro seria tão sombrio quanto seu presente, acolheram Marcelo em seu território ilusório de uns quatro metros quadrados. Ilusório porque não era o quarto deles. Era um pedaço da calçada de propriedade instantânea de todos os transeuntes que cotidianamente o percorrem. Eles não tinham lar, comida, escola, tampouco cidadania, e, se não fossem alguns retalhos remendados nos lugares estratégicos de seus corpos, acrescentaria que eles também não tinham roupa.

Porém, graças à fértil e universal imaginação infantil, aqueles protótipos de gente sem perspectiva estavam munidos com brinquedos: o mais sujo, trazia um cavalinho de madeira (sem as pernas); o menos limpo, portava um carrinho de plástico (sem as rodas). Mesmo assim, entre um gemido e outro de fome e desesperança, conseguiam brincar, sorrir, como se o céu deles não fosse cinza e seus jardins não contivessem espinhos.

Marcelo não resistiu. Sua solidariedade agiu de maneira pura, imediata e instintiva. Os três brinquedos suspensos por suas duas mãos foram depositados naquele improvisado espaço infantil e colocados à disposição dos dois humildes garotinhos. Ambos, apesar dos olhinhos entusiasmados, ficaram com medo de tocá-los e desfrutá-los. Marcelo, num tom de verdadeiro Papai Noel, precisou dizer-lhes enfaticamente que os presentes eram deles.

As duas pobres crianças, plenas de agradecimento, confabularam entre si e chegaram a uma rápida e justa decisão matemática. Aceitaram somente dois brinquedos e deixaram o outro para Marcelo, que não se opôs, até porque era minoria entre os três. Meia hora depois de se sentar e brincar animadamente com seus novos amigos, Marcelo teve que se levantar e se despedir deles, pois sua mãe e suas duas irmãs vieram resgatá-lo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do texto, pena que as pessoas hoje em dia esqueceram o real sentido do Espirito de Natal, e se voltaram tão consumistas. Mas enfim. um grande abraço.

PABLO ROBLES disse...

Oi, Romy, infelizmente as luzes do Natal se tornaram artificiais demais, o deus do consumo tenta ofuscar a mensagem de Jesus

Um fraterno abraço!