VIVA O MISTÉRIO DE DEZEMBRO
Quem
ganha e o que perdemos abreviando o ano? Como podemos fazer e curtir a
retrospectiva de um ano que não terminou? Acesso portais de notícias e vejo uma
avalanche de matérias querendo duelar com tempo, ignorando a cronologia de
dezembro ou secundarizando os últimos acontecimentos que nos esperam em um ano
que faz questão de acabar apenas no último dia, e não como querem os editoriais
de final de ano.
Pois
bem, se nos deixarmos levar por essa tendência devoradora do tempo, iremos ter
uma imagem decepada do ano que passou, e de nós mesmos. Ou o mês de dezembro
não tem importância para a história de nossas vidas, individuais e coletivas.
Ou a história de nossas vidas tem dias muito pessoais e especiais que não
merecem ser contabilizados nos balanços publicáveis do ano. Ou o ano mostra-se
rachado em dois ciclos: o de janeiro a novembro; e o de dezembro, onde
aparentemente nada acontece, já que não entra nas retrospectivas.
Se
por um lado não podemos esquecer os bons e alegres momentos que já vivemos, por
outro não podemos deixar de viver o calendário restante, irredutível e também
único de cada ano. Não devemos brincar com tempo, moldando-o ao sabor das
publicidades apressadas, da indústria do turismo desenraizado, das emoções
enlatadas, do mercado cansado. Não entendo essa ejaculação precoce da mídia, ainda
no começo de dezembro – uma mídia que se traveste de museu e que fica forçando
a barra, fazendo das telas de computador retrovisores sem atrativos, pois inclusive
é muito estranho semear as promessas do ano novo sem deixar de colher todas as
lições do ano velho.
Viva
o mês de dezembro, apesar das retrospectivas anuais quererem abortá-lo,
saltá-lo ou enxugá-lo. Viva os dias maiores e melhores que qualquer calendário
maquiado. Viva os capítulos que sequer foram convidados para as biografias
civilizatórias. Viva a última quinzena do ano, maltratada como se fosse uma
espécie de quinzena malparida de janeiro. Viva a era rebelde e enigmática dos
finais de ano, que não se deixa enquadrar pela estática linear das cronologias
nem se revelar pelas profecias tradicionais e corriqueiras do ano passado.
Viva
a vida vivida sem grandes testemunhas e registros coletivos. Viva o não-vivido passivamente
pelos outros. Viva os fatos inéditos e algumas vezes primordiais, cujas imagens
não foram captadas e eventualmente distorcidas por terceiros. Enfim, viva o
mistério de dezembro, em sua plenitude anônima, imponderável e inenarrável.
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