Registrou encontros históricos. Amores inacabados. Viagens inesquecíveis. Atividades gratificantes. Cenas que representaram pontos culminantes de felicidade pessoal e coletiva. Instantes que, por mágicos, se fizeram eternos em nossas lembranças. Pessoas que, por extraordinárias, nunca mais se apagarão de nossas vidas, mesmo que a amizade e o carinho compartilhado com elas não tenham superado os limites efêmeros do transitório.
Essa foi a avalanche de apreensões e emoções quando minha máquina Sony Cyber-shot, de poucos mas suficientes megapixels, quis desligar-se para nunca mais piscar de novo, para nunca mais voltar a se abrir para focalizar esse mundo veloz que, de tão dinâmico e imprevisível, parece nos enquadrar, nos manipular e nos encerrar em seu jogo de incertezas, mistérios e flagrantes de uma humanidade que ainda não aprendeu a vivenciar a melhor imagem de si mesma, necessariamente mais autêntica, autônoma e solidária.
O fato é que, por muito pouco, minha câmera fotográfica quase foi sepultada na véspera do novo ano de 2012. O curioso é que esse aparelho uniu paternidades latino-americanas. Adquirida por meu pai brasileiro (padrasto) na aurora de 2008, o primeiro grande ato dela foi fotografar o reencontro com meu pai boliviano (biológico). Acima de eventuais e perdoáveis ressentimentos, ganhei de presente de aniversário do pai que me educou por duas décadas o instrumento que captaria o resgate de minha raiz consangüínea e cultural com o parente que co-produziu minha estréia no mundo em 1980 e com o lindo país onde ele vive, nasceu e voltou, após ter estudado Engenharia Civil aqui em Fortaleza. 26 anos depois, em 2008, justamente no dia 28 de janeiro (data em que surgi), recuperei meu elo paterno originário.
Alegrias indizíveis foram fisgadas, recicladas e canonizadas pelas lentes sensíveis e sedentas de minha máquina, a primeira que efetivamente adquiri. Talvez pelo ineditismo tardio desse pertencimento, testemunha eletronicamente ocular e instantaneamente fiel de momentos inebriados de felicidade, paixão, descoberta, aventura e realização, os dispositivos de minha máquina resistiram ao furacão da rotatividade mercadológica. Não foi dessa vez que o ciclo capitalista da obsolescência planejada sacrificou mais um artefato industrial. Minha máquina fotográfica, consertada por um perito com habilidades artesanalmente forjadas, voltou a abrir suas lentes para as cenas do mundo, especificamente para os ângulos que delimitam minha vida, escrevendo minha história e desenhando meus passos com a ajuda da luz.
A vida pessoal, familiar e afetiva é tecida à base de encontros, desencontros e reencontros. Alguns encontros quase não se repetem e só voltam a ser lembrados porque um dia foram fotografados e emoldurados visualmente na janela da memória sensorial. Outros encontros, por se deixarem banalizar pela omissão desgastante das partes, vão perdendo tanto as suas cores que nenhuma máquina, por mais potente que seja, consegue registrar alguma imagem feliz.
Com (e principalmente sem) efeito, junto a certas pessoas em dadas circunstâncias, todas as tecnologias e aparelhos do mundo parecem entrar em greve ou se aposentarem antes do tempo, ou pelo menos antes dos últimos flashes e fotos, aquelas que já não revelam nada porque os personagens não deveriam mais estar ali, superficial e inercialmente juntos por uma acomodação, incompetência ou covardia recíprocas.
No entanto, há encontros tão especiais que cada instante é candidato ao Oscar de melhor fotografia. Um olhar singular, escondendo mistérios. Um sorriso sublime, confessando gratidões. Um abraço revitalizante, entrelaçando afetos. Uma seriedade charmosa, reafirmando compromissos. Uma careta descontraída, compartilhando liberdades. Enfim, fotos paradigmáticas, com a função divina de justificar existências plenas e abençoar momentos mágicos. Eis a vocação intrínseca da máquina fotográfica: produzir imagens naturalmente cinematográficas para quem as vive, ainda que ninguém mais as veja, valorize ou se recorde.
domingo, 5 de fevereiro de 2012
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1 comentários:
Pablito, como sempre, sensacional o seu texto. Vc domina como poucos a arte de escrever. Parabéns, amigo. Te admiro demais. Bjão!
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