domingo, 22 de agosto de 2010

Alguém prefere agir contra a fome?

Uma enquete vista em um dado portal perguntava: “quem foi melhor no debate de presidenciáveis organizado pela Band?”. Até aí nenhuma surpresa. A mania do quem foi pior e quem foi melhor já está impregnada em nosso sangue cultural, não obstante a desigualdade de oportunidades, de tempo e de mídia que envolve cada candidata(o).

O que me chamou a atenção nesta enquete foi ver a opção “preferi ver o futebol” como uma das respostas disponíveis para o internauta marcar. Sabidamente, uma emissora pouco isenta transferiu propositadamente o horário do jogo para “concorrer” com o debate. Quem de nós prefere ver algo em vez de agir? Criticar em vez de construir? Possuir em vez de amar? Essa alternativa, ao destoar das outras, evoca nas consciências debates bem mais profundos.

Não vou aqui ser hipócrita e fundar um partido contra o futebol, a novela, o filme apressado que atropela nosso olhar, a música sem conteúdo que entorpece nosso ouvir. O sentido que quero convocar para nossa “conversa offline” é o sentido mesmo de nossa sobrevivência enquanto espécie não-suicida; ou melhor, de nossa transcendência para uma condição que vá além do inumano, do subumano, do desumano.

Sim, ainda não somos dignos de autêntica humanidade. Nossa insensibilidade não tem idade. Estamos apodrecendo nossas esperanças de geração em geração, omissão em omissão.

Enquanto isso, uma obviedade insiste em invadir o campo discursivo desse texto e gritar silenciosamente para todo mundo – pelo menos – sentir: enquanto a bola rola em disputadas direções, atrai multidões e faz lucrar milhões, a fome continua ali, quase estagnada pela falta de investimentos econômicos, políticos e morais. E não vamos apontar dedos e tirar nosso time de campo, pois fazer o bem, no contexto essencial de nossas biografias e no âmbito histórico das civilizações, é a coisa mais democrática, voluntária e gratificante do universo.

Competir para acabar com a fome (do bairro onde você brincou pela primeira vez ao planeta onde você chorou pela última vez) não dá audiência, não gera demanda, não aumenta o PIB, não lota as igrejas e tampouco interessa muito às academias que preferem competir por quem “produz” mais citação de teorias (e ideologias) terceiras, estas tantas vezes reprodutoras (e empobrecedoras) das idéias de um quarto ou décimo intelectual... e quem ousar politizar a ciência, pior; nem citado e condecorado será. Como consolo, em vez de ter um paper traduzido mundo afora, ganhará no máximo espaço discreto nos jornais estampados esquina adentro.

Façamos de conta que seu time de futebol já perdeu na semana, a novela do dia já acabou, seu seriado preferido já passou e você por acaso até aqui pacientemente chegou, sem olhar para o relógio nem antever o próximo e-mail de sua caixa postal masoquistamente lotada. Que analogia entrelaça a bola e a barriga? A bola, quando achatada, lembra a barriga esvaziada, esfomeada, estagnada, desnutrida. A barriga, quando dilatada (nem que seja por vermes do tipo lumbricóides apoliticus ou sadismus capitalóide), lembra a bola inflada, dançando e girando em toda potência futebolística, orgulhosa de cumprir sua missão de assinalar gols.

E tudo será perfeito se os gols forem, jogo após jogo, sempre a favor do time que torcemos, pois com isso poderemos indiretamente nos sagrar campeões, identificados simbolicamente com os melhores. Porém, ao competirmos (e raramente cooperarmos) com outros jogadores em nossa rotina cotidiana, a bola da fome segue marcando gols contra, como se os perdedores dessas partidas existenciais fossem sempre relegados coletivamente a escanteio... ou merecessem absurdamente serem “expulsos” sem direito a chances e advertências saudáveis.

3 comentários:

Anônimo disse...

tô lendo recentemente seu blog, tu é tão inteligente que me dói, tô gostando de ler seus posts.

Carol

Anônimo disse...

E aí, Pablo!
Quanto tempo. De vez em quando (quando dá tempo) leio alguma coisa do teu blog. Parabéns!

Alexandre Barbosa.

Anônimo disse...

Acabei de ler o seu artigo muito bom por sinal. è pecso chamar atenção para questões como essas.Tão real em nosso mundo e tão deixado pra pelos nossos governantes e por nós mesmos que nada fazemos para mudaresse quadro.
Teca