segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CONTO: A Experiência da Convivência

De repente ela (re)apareceu. Dessa vez em toda sua essência e eloqüência. Seu instinto de sobrevivência estava ferido. A gaiola familiar estava sufocando a Lanny. A relação mãe e filha estava estremecida, o suficiente para ela querer fugir, voar, partir. Por um acaso da vida, o lar de Querque foi lembrado, consultado e indicado. Querque empreendeu esse passo há um ano atrás. As motivações pessoais mudam, mas muitos dramas familiares se repetem.

Em menos de 24 horas, Lanny e Querque se encontraram e conversaram longamente sobre suas histórias, seus anseios, receios... A proposta era inédita e intrigante para ambos: dividirem o lar do Querque por algum tempo, enquanto Lanny reorganizava a sua vida, desde que longe da órbita doméstica em torno da qual girara até então. Entre o almoço num restaurante e a cerveja num bar, o rapaz de 30 anos apresentou à moça de 22 anos sua simples quitinete.

Se ela topasse morar algumas semanas ali, teria que se despir de eventuais frescuras, que poderiam esbarrar, de cara, na arquitetura e aparelhagem do lugar: vão único e sem televisão. Mas havia atrativos: dois quarteirões da faculdade dela e custo de moradia bem camarada. A grande questão que os preocupava, no entanto, dizia respeito à privacidade deles caso assumissem o risco inesperado dessa experiência teoricamente gratificante.

Experiência interessante, bacana, quase mística; pensaria um empolgado Querque. Experiência emergencial, emancipatória, praticamente irreversível; ponderaria uma confusa Lanny. Impossível que decisão tão conseqüente viesse a ser tomada logo. Coube então aos próximos dias diminuir o entusiasmo do homem e aumentar a segurança da mulher. Uma semana depois, independentemente do desfecho dessa sensível negociação, uma certeza começava a se esboçar entre os dois: um passaria a morar dentro das lembranças do outro.

Tornaram-se bons amigos, companheiros imprevisíveis de uma cumplicidade sem medos, sem pudores, sem lacunas. Como conseguiriam dormir sob o mesmo teto sem nenhum vínculo anterior de relacionamento interpessoal? Antes que uma amiga comum de Querque e Lanny os colocasse em contato telefônico e os encorajasse a interagirem, o rapaz só havia visto a moça uma vez, em menos de um mês atrás e de uma forma bem ligeira, algo protocolar.

Assim é a vida, essa desplanejada e imprevisível chama que anima e contorna as trajetórias retilíneas, curvilíneas e circulares da humanidade. Em busca angustiada por um novo eixo que pudesse - mediante uma nova moradia, convivência e rotina - dar um rumo solidário e transitório à sua vida de mulher independente em gestação, Lanny encontrou em Querque uma oportunidade inicial de “libertação”, um convite explícito para uma espécie de recomeço, ou melhor, para a execução de um novo ciclo na biografia da garota, cuja energia pulsante se incompatibilizara com os padrões incompreensivos e repressores do lar em que crescera.

Querque se viu de repente agitado por uma súbita idéia. Uma proposta típica dos enredos de cinema e que mereceria no mínimo um conto. Os bastidores e desdobramentos da história estarão agora reservados ao universo real destas duas personagens. O destino adora pregar peça em suas vítimas. As pessoas geralmente levam anos para edificar sólidos laços. Essa travessia, por força das circunstâncias intermediadas pela amiga comum, acabou sendo conduzida em um intervalo mínimo de tempo. Dividindo ou não o mesmo território geográfico, nenhum abismo humano, doravante, deveria separar a ponte que o universo estendeu entre Lanny e Querque.

3 comentários:

Anônimo disse...

Este escrito remete aos encontros e desencontros que a vida nos apresenta cotidianamente.A cada dia vamos tendo novas descobertas e experiências que nos fazem esculpir nossas vivências no campo afetivo, profissional e até espiritual.Não devemos ter receios de mergulhar nesses momentos instigantes.

Patty Albuquerque disse...

Creio q Lanny se sentiu mto lisonjeada por Querque tê-la acolhido tão calorosamente!!!
E provavelmente lanny e Querque saibam que já podem contar um com o outro! Que experiências futuras n lhes tiraram o gde encanto desse encontro tão inusitado e fora da órbita de ambos!!! Pois, como mencionado no conto, isso é típico de enredos cinematográficos! :p
Meu querido Amigo, adorei o conto!!! Grandes beijokonas!! :D

Anônimo disse...

isso é que é amigo, nas horas difíceis é que sabemos quem é quem, ainda mais quando se é pobre, precisamos mais ainda, um amigo desse vale um tesouro hehe