quinta-feira, 30 de julho de 2009

Asas de um Voo sem Horizontes

ASAS DE UM VOO SEM HORIZONTES

Por não gostar de ter nascido nesse mundo, assumo e busco renovar sempre a tarefa de ajudar a melhorá-lo, para que eu possa tentar morrer em um tempo mais pleno de amor e esperança para os próximos que virão e passarão por aqui.

Segundo estatísticas correntes, uma criança morre de fome a cada sete segundos. É impossível, para mim, preocupar-me tanto com o meu futuro (ou seja, com os restos de segundos que ainda tenho por viver) diante da consciência presente de um dado tão cruel como este. Seria mais lógico, fácil e necessário nos preocuparmos todos com o passado e nos perguntarmos: “O que fizemos de errado? Porque deixamos este absurdo se naturalizar?"

Que mundo é esse que estamos construindo? Retificando a indagação, sem eufemismos: Que mundo é esse que estamos destruindo? Essa é verdade que quase ninguém quer admitir e difundir. Se não modificarmos radicalmente nossas rotas, nosso último degrau da escada de nossas ambições nos fará dar de cara com o escorregador de nossas próprias ruínas.

A competição tornou-se a obsessão da modernidade. O preconceito tornou-se a regra de julgamento entre os indivíduos. Medimos o valor das pessoas pelo status de sua profissão, pela marca de seu carro, pelo padrão de sua moradia, pela freqüência de suas viagens; enfim, tendemos a (pré)conceituar as pessoas de acordo com o tamanho de sua conta bancária.

A essência do ser humano, a única que realmente importa, continua sendo contaminada pela epidemia das aparências. Dessa gripe quase ninguém escapa. Manter-se imune a ela, infelizmente, virou a exceção. Não me refiro à gripe suína, aviária ou coisa que o valha. Falo da fraqueza de espírito, da fragilidade emocional e da pobreza de sentido que nos atinge.

A mídia mente e desmente a todo instante. A publicidade tenta reduzir-nos à condição de meros consumidores. Democracia e cidadania não passam de retóricas vazias, artigos de utopia. Prosas sem poesia. Ou, o que é pior, poesias sem rima; uma vez que perseguimos uma felicidade material que não se sustenta por muito tempo: desaparece na próxima esquina da vida, para espanto e desespero da platéia que se iludiu com os efeitos desta encenação.

Muitas de nossas famílias levam tão a sério este delírio que a prática do diálogo afetivo, cooperativo e harmonioso é a primeira “vítima” a se divorciar dos lares. Parece piada, mas não duvide da existência de pessoas que encontram eventualmente mais incentivo dentro de seus lares através da “companhia instintiva mas fiel” de animais domésticos - em vez de seus pares (humanos).

Quando se tem a oportunidade de nascer, se desenvolver e crescer de forma minimamente sadia, saber viver se torna um ofício mais fácil. O difícil, no entanto, é saber ficar adulto, envelhecer e morrer. Morrer sem ter lutado pela consecução daquilo que considero ser a parte mais real da vida: nossos sonhos. Sem sonhos, nos movemos para lugar nenhum.

O dinheiro não pode ser idolatrado por ninguém, pois ele é apenas um instrumento de sobrevivência, seja para a manutenção biológica da espécie ou para alimentar a fome psíquica de egos incapazes de se saciar com o bastante. Ao querermos ter sempre mais, corremos o risco de sermos cada vez menos. O capitalismo é uma ilha de abundâncias cercada por um oceano de carências. Sua liberdade só funciona quando a justiça coletiva é ignorada, desligada.

Se você chegou até aqui, mais do que terminar de ler tais linhas, procure sentir o clamor das entrelinhas. O planeta está perdendo a paciência com seus habitantes. Uma revolução precisa emergir do caos; antes que seja tarde, antes que afundemos, antes que fique escuro. Quando abriremos os olhos, sairemos de cima do muro e criaremos coragem para mirar e galgar um horizonte diferente, mil vezes maior do que o diâmetro de nossos umbigos rebaixados?

O convite está novamente feito; e será seguidamente refeito enquanto for necessário, por todos e todas que não suportam mais fabricar esta farsa e financiar este carnaval cotidiano de hipocrisias. A mídia, a religião, a academia, a arte – e tantas outras instâncias mediadoras de nossas representações – raramente contribuem para a semeadura urgente do novo.

Antes fosse apenas caminhar. Pedem-nos para correr. E como a ambição é gigante, os passos precisam ser compridos, elásticos. Parar para respirar interiormente, repensar as prioridades, dialogar consigo mesmo, reciclar os valores, amadurecer as atitudes; tudo isso pode parecer “perda de tempo”, o que não quer dizer que seja necessariamente ruim, negativo e improdutivo.

Quem sabe não esteja aí a matemática da cura do mundo: debitar um pouquinho deste “tempo alucinado e imediatista” em que coexistimos para creditar doses mágicas e estratégicas de sentido ao destino imponderável, atemporal e deveras grandioso da espécie humana; não obstante as derrotas passageiras e críticas perdoáveis.

Para que tanta pressa? Quem pediu autorização à natureza para impor um ritmo tão frenético às organizações humanas e desencadear o crescimento irrefletido do PIB entre os países? Esquecem que o final acumulado e líquido desta corrida, além de frustrante, poderá ser brutalmente suicida. Fomos condicionados a escalar o cume do sucesso material sem saber que estamos voando cada vez mais para pousar (sabe aonde?) no abismo de nossa decadência. O “lucro” que vale mesmo a pena, esse sequer cabe em nossos bolsos.

Essa é a comédia paradoxal de nossa tragédia existencial. Psiu! Riamos baixo para não chorar alto. Complicamos muito a simplicidade. De qualquer forma, saiba que horizontes de luz nos procuram sem cessar, sem cobrar, sem cansar. Vai ver que o defeito está nas asas... (um tanto desafinada por ventos áridos e sombrios). Adiante, irmãos, sorrisos mais fraternos se desenharão em nossos corações!

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