sábado, 30 de agosto de 2008

COMENTÁRIOS: A Potência do Brasil

LIVRO: Brasil, um país do futuro
AUTOR: Stefan Zweig
EDITORA: L&PM Pocket


Págs. 14 a 23

Chegamos ao Rio: foi uma das impressões mais poderosas que eu experimentei em toda a minha vida. Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, estremeci. Pois não apenas me defrontei com uma das paisagens mais belas do mundo, esta combinação ímpar de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas ainda com um tipo completamente diferente de civilização. (...) Havia cor e movimento. O olhar excitado não se cansava de ver e, para onde olhasse, era recompensado. Fiquei possuído por um torpor de beleza e de felicidade que excitava os sentidos, crispava os nervos, dilatava o coração, ocupava o espírito, e quanto mais eu via, nunca era o bastante. (...).

Pela primeira vez comecei a perceber a grandeza inconcebível daquele país que não deveria ser chamado de país e sim de continente, um mundo com espaço para trezentos, quatrocentos, quinhentos milhões de habitantes e uma riqueza incomensurável, da qual nem a milésima parte foi explorada ainda sob o solo farto e intacto. Um país em rápido desenvolvimento e que apenas começa a se desenvolver, apesar de todas as atividades de trabalho, construção, criação e organização. Um país cuja importância para as próximas gerações é inimaginável até fazendo as combinações mais ousadas. E, com uma rapidez surpreendente, derreteu-se a arrogância européia que eu levava como bagagem inútil nessa viagem. Percebi que tinha lançado um olhar para o futuro do nosso mundo.

(...) Por isso, de toda a plêiade de aspectos destacarei principalmente um problema que me parece o mais atual e que confere ao Brasil um lugar especial entre todas as nações do mundo no que se refere ao espírito e à moral.

Este problema central, que se impõe a toda geração, portanto também à nossa, é a necessidade de responder à pergunta tão simples e, ao mesmo tempo, tão imperiosa: como conseguir em nosso mundo uma convivência pacífica entre as pessoas apesar da diversidade de raças, classes, cores, religiões e convicções? Esse é o problema com que toda comunidade, toda país sempre volta a se defrontar. A nenhum outro país ele se impôs em uma constelação tão complicada, e nenhum outro país – e é como grato testemunho disso que escrevo este livro – conseguiu resolvê-lo de maneira tão feliz e exemplar como o Brasil. Uma maneira que, na minha opinião, não requer apenas a atenção, mas também a admiração do mundo.

(...) Enquanto, no nosso velho mundo, prevalece a loucura de se querer criar pessoas de “raça pura”, como se fosse cavalos de corrida ou cães, a nação brasileira se baseia há séculos unicamente no princípio da mistura livre e sem entraves (...). Enquanto, entre nós, cada nação inventa uma palavra odiosa ou de desprezo para a outra, como Katzelmacher ou boche, falta totalmente no vocabulário brasileiro a palavra correspondente depreciativa para o negro ou o crioulo, pois quem poderia, quem quereria se gabar aqui de ser uma raça pura? (...).

O Brasil foi a única entre as nações ibéricas que jamais conheceu perseguições religiosas sangrentas, nunca viu arder as fogueiras da Inquisição, em nenhum outro país os escravos foram tratados de forma relativamente mais humanitária. Mesmo suas revoltas internas e mudanças de governo se efetuaram praticamente sem derramamento de sangue. (...) É sobre a existência do Brasil, cujo único desejo é a construção pacífica, que repousam nossas maiores esperanças de uma civilização futura e de pacificação do nosso mundo devastado pelo ódio e pela loucura. Onde quer que forças éticas estejam trabalhando, é nosso dever fortalecer essa vontade. Ao vislumbrar esperanças de um novo futuro em novas regiões em um mundo transtornado, é nosso dever apontar para este país e para tais possibilidades.

E por isso escrevi este livro.

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