De repente ela apareceu para ele. Ou vice-versa. Passaram a existir um para o outro. Os nomes principais dos dois cabem numa mesma quantidade de letras. Embora também identificados pela mesma idade, apresentam mundos necessariamente diferentes. Na verdade únicos, pois a singularidade sem limites da espécie humana não admite cópias.
Meia hora depois que se falaram à distância, ele se põe a ouvir a voz dela por telefone. O timbre um pouco ansioso dele foi dissolvido pela candura infantil exalada no outro lado da linha. Rápida no gatilho, acionado pela troca de mensagens via celular, ela vai ao encontro dele, de modo que um dia depois, no palco convidativo de uma praça, as personagens começavam a se revelar, se descobrir, se medir.
As impressões iniciais entre os dois se confrontam e se ajustam, mas possivelmente um segundo encontro será necessário para que as imagens que um está metabolizando sobre o outro se tornem mais nítidas e reveladoras. Enfim, não tardará para que o clima de estranhamento ganhe personalidade e seja nocauteado pela espontaneidade.
O que falaram quando se sentaram juntos pela primeira vez? Certamente priorizaram temas mais objetivos: estudos, trabalho, famílias, afazeres, namoros anteriores. Afinal de contas, a subjetividade precisa de mais tempo para ser desembrulhada. Palavras subtraídas por silêncios. Silêncios sacudidos por palavras. Dialética essa realçada por gestos denunciadores e testemunhada por olhares avaliadores.
O tempo dessa vez não foi generoso para esse par experimental de amigos, pois já estava tarde e tiveram que se apressar. Voltaram saboreando sorvetes, ao mesmo tempo em que degustavam suas preferências musicais e literárias. E assim despediram-se. Por enquanto ou para sempre? Ainda é muito cedo para um palpite razoável. Dormiram, sonharam e acordaram embalados por uma miríade consciente e inconsciente de incertezas.
Já não seria surpresa informar que ele e ela estavam solteiros, o que significa dizer que o magnetismo da esperança, no sentido afetivo do termo, desde o princípio os unira. Mas tal expectativa não foi administrada de forma idêntica: ele, mais idealista e decididamente mais explícito em seus anseios; ela, mais realista e sobretudo implícita em suas intenções. A empolgação do homem foi neutralizada pela cautela da mulher.
Quem é ele? Quem é ela? Por que não outro? Por que não outra? Dúvidas, naturalmente, dominavam os primeiros passos de destinos imprevisíveis e talvez conciliáveis. O fato é que o convite do amanhã houvera sido feito. Era uma vez uma possibilidade fecundada pelo tempo presente de ambos, nublado pelo desconhecimento quase total de seus passados.
Mereciam avançar, vencer eventuais medos e lançar os dados da sorte? O desafio do novo é a resistência do antigo. O risco é o ingrediente inevitável da felicidade. Sem a cor poética e democrática do mistério, o futuro não seria tão colorido e belo. Ela e ele, jovens já moldados pelas responsabilidades adultas, não embarcariam em armadilhas efêmeras.
Estariam habilitados a partilhar um mesmo horizonte, nem que fosse apenas durante uma estação, uma espécie de estágio probatório? Esta moça e este jovem beirando os trinta anos aprovariam o processo de metamorfose que seus mundos afetivos teriam que passar? Ou tudo não passaria de ilusões perdidas? Uma legião de dilemas tão agitados como a rotina urbana rondava o labirinto de suas mentes - ou, melhor dizendo, corações.
Estariam dispostos a sincronizar seus sorrisos e deslizarem algumas lágrimas nas mãos um do outro? Saberiam inventar carícias e colecionar emoções para o acervo de suas almas? Ou não! Alguma incompatibilidade, preconceito ou insensibilidade cortaria, sem paciência e sem piedade, as asas da esperança deste casal em potencial?
Há momentos em que a ficção literária confunde-se com a realidade da vida, como se um movimento atraísse o outro para virarem sinônimos. Caberão aos protagonistas anônimos deste breve conto, baseado a propósito numa cena verídica e bem recente, escolherem o desfecho que julgarem mais apropriados. No entanto, se ambos enxergarem nos próximos dias e conversas um atalho comum e convergente dentro de si mesmos, a vida, em vez de se contentar imitando a arte, poderá efetivamente transcendê-la.
Assim sendo, para a alegria dos leitores que acreditam na humanidade do amor (visto que sua essência original tem algo de divino e imponderável), um conto aparentemente sem pretensão poderá, nos bastidores da blogosfera, dar as boas-vindas para um romance autêntico, maduro, promissor e apaixonadamente real.
sábado, 12 de dezembro de 2009
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1 comentários:
Belíssimo!
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