quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Dom Hélder: um exemplo imorredouro

Quantas pessoas vocacionadas para a justiça social, de trajetória iluminada e legado inabalável, tiveram seus nomes preteridos ao Prêmio Nobel da Paz por motivo de campanhas caluniosas e difamatórias? Pois os militares e intelectuais coniventes da ditadura brasileira conseguiram abortar as quatro indicações (plenamente justas) recebidas por Dom Hélder Câmara. Apesar deste lapso, o mundo soube reconhecer, por inúmeras e categóricas vias, a grandeza deste religioso, cuja fé comungava inexoravelmente com a sede de justiça em favor dos oprimidos e excluídos. Deve-se a ele a coragem de denunciar em Paris, pela primeira vez, a prática de tortura contra presos políticos no Brasil. Ainda sob o clima do seu centenário de nascimento, o artigo abaixo corrobora os feitos deste meu conterrâneo cearense que depois foi brilhar em outra seara nordestina. Que a luz do seu exemplo continue acesa entre os católicos, religiosos em geral e demais cidadãos de bem!

(Comentários introdutórios de Grito Pacífico, mudando o mundo com você)

DOM HÉLDER CÂMARA: SINÔNIMO DE JUSTIÇA E PAZ

FONTE: http://www.antonioviana.com.br/2009/site/ver_noticia.php?id=53999

Por Messias Pontes - 04/02/2009

"Os amantes da justiça e da paz, em todo o mundo, e em especial no Nordeste brasileiro, comemoram com entusiasmo o centenário do cearense mais ilustre do século XX. Trata-se de Dom Hélder Pessoa Câmara, nascido em Fortaleza no dia 7 de fevereiro de 1909, décimo-primeiro filho de uma família de classe média.

Aquele menino pequeno e franzino entrou no Seminário Diocesano de Fortaleza com 14 anos de idade, sendo ordenado padre aos 22 anos, no dia 15 de agosto de 1931, com autorização especial do Vaticano, pois não possuía a idade mínima exigida. Desde cedo demonstrou interesse pelo trabalho com os mais humildes e excluídos da sociedade, tendo fundado, no mesmo ano da sua ordenação, a Legião Cearense do Trabalho, e, dois anos depois, a Sindicalização Operária Feminina Católica, que congregava as lavadeiras, engomadeiras e empregadas domésticas.

Em 1936, o padre Hélder transferiu-se para o Rio de Janeiro, dedicando-se às atividades apostólicas. Aos 43 anos foi ordenado bispo, sendo nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro no dia 3 de março de 1952. Em 27 de agosto de 1999, este extraordinário pequeno-grande deixou de respirar o ar poluído pela hipocrisia e pelo capitalismo, e foi buscar noutra dimensão o ar puro da verdade, da solidariedade, da justiça e da paz.

Estes dados iniciais, com todas as minúcias, destinam-se a um certo desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, da 7ª Região, que disse não saber quem era Dom Hélder Câmara. Isto para justificar a injustificável retirada do nome daquele sacerdote do prédio anexo ao Fórum Autran Nunes, no Centro da capital cearense, para colocar o do seu pai já falecido, como ele desembargador. Indignada, a desembargadora Dulcina Palhano retirou-se em sinal de protesto. A reação de vários segmentos da sociedade foi tamanha que a decisão foi revogada pelo mesmo placar de quatro a três.

Dom Hélder foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), tendo destacada atuação no Concílio Vaticano II,oportunidade em que foi um dos propositores e signatários do Pacto das Catacumbas, que teve forte influência na Teologia da Libertação.

Ao chegar à capital pernambucana em 1964 para assumir a Arquidiocese de Olinda e Recife, foi recepcionado por uma multidão, mas também por oficiais do 4º Exército que lhe apresentaram uma lista de religiosos – padres, freiras e leigos - que deveriam ser transferidos para bem longe. Ao receber a lista, Dom Hélder ironizou, afirmando que faltava um nome. Logo um general perguntou: mas quem? E ele respondeu: o de Dom Hélder Câmara.

Se os generais golpistas já olhavam para Dom Hélder com desconfiança, em função das suas posições progressistas e, principalmente o seu compromisso explícito com os excluídos da sociedade, a partir daquele momento passaram a odiá-lo, impedindo-o até de ter acesso aos meios de comunicação de massa para divulgar as suas mensagens durante todo o período ditatorial, encerrado em 15 de março de 1985. Mesmo as emissoras católicas em todo o País eram proibidas até de citar o seu nome.

Lembro-me bem de quando comecei a trabalhar no MEB-Fortaleza (Movimento de Educação de Base), no final da década de 1960. Havia um flanelógrafo ao lado do estúdio da Rádio Assunção Cearense com as determinações baixadas pelo diretor da emissora, radialista Geraldo Fontenele, onde se destacava a proibição de pelo menos citar o nome de Dom Hélder Câmara, Dom Antonio Fragoso (bispo de Crateús), Dom José Maria Pires, também conhecido por Dom Pelé por causa da sua cor (bispo da Paraíba) e até mesmo do general da ativa do Exército, o cearense Albuquerque Lima porque este era contra a ditadura militar. Porém a recomendação maior era para Dom Hélder.

Tive o privilégio de passar uma manhã de sábado com ele em Olinda, em 1970, levado pelo conterrâneo e amigo padre Oliveira Rocha, então vigário da paróquia de Jardim São Paulo, em Recife. Ele demonstrou estar feliz por receber um conterrâneo que comungava com ele da mesma luta pelas liberdades democráticas e por uma sociedade sem exploradores e explorados, sem analfabetismo, sem prostituição, sem fome, sem miséria, onde todos tenham o sagrado direito a todos os direitos, inclusive à informação sem manipulação.

Depois de muito tempo de conversa, Dom Hélder foi me mostrar a parede externa do quarto onde dormia, toda perfurada de balas de metralhadora. “Foram nossos irmãos equivocados do Exército, mas eles não me amedrontam. Eles já tiveram muitas oportunidades, mas não têm coragem de me matar por causa da repercussão internacional”, disse ele com um sorriso encantador. Aliás, o seu sorriso era sempre encantador. Ele conquistava as pessoas pelo coração e pelo sorriso. Era uma pessoa ímpar. Impressionante!

Ao exigir a abertura democrática no Brasil e denunciar, aqui e lá fora, os crimes da ditadura militar, os generais golpistas passaram a persegui-lo e até ameaçá-lo de morte. Sua casa em Olinda – a sacristia da igreja - foi metralhada em 1970 como forma de amedrontá-lo, mas Dom Hélder continuava mais firme ainda na defesa da democracia e dos direitos humanos.

Ele celebrava a missa diariamente pela manhã. Ao terminar, pedia ao sacristão que levasse para tomar café com ele os mendigos que estivessem por perto. Tratava-os todos comi irmãos e com muito carinho. Costumava dizer que “quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, mas quando pergunto pelas causas da pobreza, chamam-me de comunista”.

Pela sua incansável luta em defesa da justiça e dos direitos humanos, Dom Hélder teve seu nome quatro vezes indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz. No entanto foi preterido as quatro vezes em função das pressões dos militares colonizados e golpistas que se utilizavam de empresários venais e reacionários como o dono do jornal O Estado de São Paulo, Júlio Mesquita, que foi a Oslo pressionar o comitê designado pelo parlamento norueguês para retirar o nome do pequeno-gigante cearense dos concorrentes do Nobel da Paz.

Dom Hélder escreveu mais de uma dezenas de livros que foram traduzidos em diversos idiomas, entre eles o espanhol, inglês, francês, alemão, japonês, coreano, italiano, norueguês, sueco, dinamarquês, holandês e finlandês. Além disso, ele recebeu 32 títulos de Doutor Honoris Causa e 24 prêmios dos mais diversos órgãos internacionais, e 30 títulos de cidadania em municípios brasileiros. Se vivo fosse, certamente teria ido a Belém (PA) participar do Fórum Social Mundial.

Por toda sua luta em defesa da verdade, da justiça e da paz (sem justiça não há paz, costumava enfatizar), pelas perseguições sofridas e pela coragem com que enfrentou os “poderosos”, Dom Hélder Câmara merecia um monumento em cada cidade, em cada bairro deste País. Infelizmente somente a paróquia de Santo Afonso, no bairro Parquelândia, comandada pelo padre Geovane, ergueu uma estátua dele em frente à igreja.

A programação em Recife para comemorar o centenário de nascimento deste gigante amante da liberdade, da justiça e da paz é das mais extensas, compreendendo não só o 7 de fevereiro, mas todo o ano de 2009. A Prefeitura Municipal de Fortaleza e o Governo do Estado do Ceará - como bem disse em artigo publicado na semana passada no jornal O Povo o médico e ex-vereador por Fortaleza José Maria Pontes - estão devendo um memorial em homenagem a Dom Hélder Câmara na capital cearense.

Para homenagear a pessoa e as obras do Arcebispo Emérito de Recife e Olinda, a Arquidiocese de Fortaleza realizará no próximo sábado 7 uma Celebração Eucarística em comemoração aos 100 anos de nascimento do Dom na paróquia de Santo Afonso, na Parquelândia".

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